No meu trabalho interessam-me as utopias, o raio de beleza no meio do caos.

Existe em mim essa fé de que um dia acordaremos para o sonho.

A realidade magoa-me, mas não me convence totalmente — como se um gesto, um pormenor ou um ritual pudessem engolir tudo o que é podridão no mundo.

Procuro a humanidade nas coisas, a religiosidade nos movimentos, a luz que se traduz na impermanência do sonho.

As fotografias são construção de mim.

Sem elas, sou um céu de estrelas desconexas. Com elas, constelo-me.

A verdade não está na imagem final, mas na procura de imagens.

As fotografias fazem nascer estrelas. São um acaso cósmico, o nascimento de uma criança, os sinais do tempo e do espaço que me acolhem.

Elas ajudam-me a hierarquizar belezas.

O fotógrafo é sempre observador — mas de que forma participa da realidade?

As fotografias levantam-me questões. Dão-me respostas.

O método é demorado e por vezes doloroso.

Acentua as minhas inseguranças, o perfeccionismo — mas ao mesmo tempo permite-me ser. E ser imperfeita.

Quero concentrar poesia.

Traduzir o não-verbal em imagem. Traduzir o gesto.

Oferecer o vislumbre de uma utopia — não o mundo com causas e consequências, mas o ato puro, sem passado nem futuro.

A essência do instante, o detalhe.

Não o mundo visto de cima, mas o mundo visto por uma porta entreaberta.

A fotografia é feita de silêncios.

Espaços curtos, desabitados de palavra — ou, às vezes, espaços onde o excesso de palavras se condensa até virar ausência.

A fotografia vive do excesso.

E nasce dele.

Numa imagem pode caber toda a poesia do horror e da beleza — essa que parece não caber no mundo.

Qual a semelhança entre uma fotografia e uma palavra?

A palavra é hesitante.

A fotografia, não.

Ela requer gesto. Um ato. Uma recusa do pensamento que vacila.

A fotografia é um gesto de fé.

Uma prática religiosa. Uma meditação.

E, no fim, um documento.

A fotografia que não imita a realidade é a técnica.

O resto — é linguagem.

A linguagem é um gesto parado.

É comunicação visual, oráculo humano.

A arte só se torna reflexão depois de existir.

Primeiro vem o gesto. Depois, o pensamento. Ou ao contrário?

O artista, antes de tudo, renuncia à palavra.

Procura símbolos que a substituam — mesmo que esses símbolos tenham forma de palavra.

Cada artista constrói um dicionário secreto.

Não-universal.

Cada artista tem uma única palavra — e passa a vida inteira a dissecá-la, a multiplicá-la, a escondê-la, a oferecê-la.

Para que um dia ela brilhe, absoluta e nova.

O meu trabalho fotográfico é um corpo de diários íntimos e documentais.

Contém uma linguagem autobiográfica.

Não procuro refletir sobre algo exterior a mim — mas construir-me.

E, a partir dessa construção, retirar sentido.

Cada imagem é um marco no meu corpo, no meu percurso, nos lugares que atravesso.

São hieróglifos, escritas sagradas, modos de adivinhação.

Habitam um tempo não-linear, ou mesmo recriado.

Daí emerge um tom onírico — inevitável.

É a dimensão interior projetada sobre o exterior, que o reveste.

É o sonho colado ao real.

E essa dúvida — entre o que é realidade e o que é fantasia —

é exatamente a dúvida que me constrói.

E sobre a qual construo tudo o que faço.